O fascinante mundo das línguas, muito além das "estrangeiras"
- gladysquevedo3
- 2 de mai. de 2024
- 6 min de leitura

Quando você ouve falar em línguas estrangeiras, provavelmente o que vem à sua cabeça é o inglês, o espanhol, o francês... De fato, essas línguas sempre receberam esse rótulo por serem consideradas como pertencentes a outros povos e, portanto, "estrangeiras".
Porém, a realidade das relações sociais, culturais, econômicas e geopolíticas mostra que existem muitas outras formas de olharmos as diferentes línguas que nos rodeiam. Para começar, podemos pensar no conceito de língua materna que, para boa parte da população brasileira é, sem dúvida, a língua portuguesa, língua oficial no país como consta na Constituição de 1988. No entanto, embora nascidas no Brasil, muitas pessoas têm como primeira língua outras que não a portuguesa. É o caso das pessoas surdas, daqueles que fazem parte dos povos originários do Brasil, ou daqueles que têm origem em famílias de imigrantes, como os japoneses, os poloneses, os coreanos, os sírios, etc. Para essas pessoas, o português é o que chamamos de Língua Adicional, ou seja, uma língua acrescida ao repertório da pessoa por conta da convivência no contexto social e geográfico em que ela vive. Dessa forma, além da sua primeira língua (ou materna), você pode ter uma segunda ou terceira língua com a qual convive, que serão, portanto, suas línguas adicionais.
A Índia é um exemplo muito interessante de país com línguas adicionais. Ela não tem uma língua nacional única, mas possui duas oficiais na administração federal - o Hindi e o Inglês -, e outras 22 línguas oficiais reconhecidas pelo governo federal. Há também outras inúmeras línguas e dialetos falados pela população nas diferentes regiões do país. Assim, ter duas, três ou quatro línguas adicionais é algo extremamente comum para os indianos!
Nem todos os países do mundo têm línguas oficiais como o Brasil e a Índia. Os Estados Unidos são um exemplo, pois o inglês só aparece como língua oficial na Constituição de alguns estados, como Califórnia e Flórida.
Existe também o termo Língua de Herança, usado especificamente quando nos referimos a pessoas que moram em outros países e que se preocupam e se esforçam para manter sua língua materna como parte da sua identidade. Esses imigrantes se mantêm ligados a outros da mesma nacionalidade e, por meio da língua em comum, garantem que seus costumes, sua história e suas tradições culturais sejam passadas aos mais jovens do grupo. É isso o que acontece, por exemplo, com muitas famílias brasileiras que vivem fora do Brasil e que acabam morando mais ou menos próximas umas das outras. Embora muitas vezes as famílias sejam de diferentes regiões do Brasil, a língua mantém a coesão entre elas e garante a manutenção da identidade cultural brasileira pelos adultos e o desenvolvimento dessa identidade nas crianças.
E por falar em língua utilizada por quem está fora do seu país, um termo que surgiu devido aos intensos fluxos migratórios dos últimos anos em todo o mundo foi o de Língua de Acolhimento, ou seja, a língua que o refugiado ou imigrante tem que aprender no país que o acolher. Nesse caso, esse aprendizado relaciona-se diretamente às necessidades imediatas e específicas para a sobrevivência do refugiado/imigrante e sua família, como aprender a fazer compras em um supermercado, a pedir medicamentos em uma farmácia, a tirar carteira de trabalho, a matricular os filhos na escola, etc. O Brasil tem recebido muitos refugiados e imigrantes do Haiti, da Venezuela, da Síria e de vários outros países, e muitos profissionais estão se especializando no ensino de português como língua de acolhimento para atender a esse público.
Um outro conceito bastante curioso que existe desde a Idade Média é o de Língua de Contato, também chamada de Pidgin. As línguas de contato surgem normalmente de forma espontânea quando duas comunidades próximas geograficamente têm contato regular e prolongado e precisam se comunicar. Essa terceira língua - a de contato - é composta pela mistura das línguas dos dois grupos, mas com gramática bem rudimentar e vocabulário bem restrito. O interessante é que se o contato entre essas comunidades e o uso dessa língua de contato for por tempo muito prolongado - o bastante para que uma geração nasça falando essa língua como sua língua materna, essa língua de contato evolui para o que se chama de Língua Crioula, com gramática e vocabulário plenamente desenvolvidos e com a complexidade de qualquer outra língua natural. Exemplos bem conhecidos de línguas crioulas que evoluíram de Pidgin são encontrados no Cabo Verde e na Guiné Bissau, que têm como base a língua portuguesa devido à colonização, mas há exemplos também em ex-colônias inglesas, francesas e holandesas.
Ainda sobre misturas de línguas, não podemos deixar de falar de fenômenos como o Spanglish (espanhol + inglês) ou o Chinglish (chinês + inglês) - só para citar dois! Esses são exemplos de dialetos híbridos com características muito interessantes. O Spanglish é falado principalmente nos Estados Unidos por imigrantes latino-americanos e seus descendentes, que podem naturalmente se comunicar dizendo "Tuve problemas parqueando mi coche this morning" (Tive problemas estacionando meu carro esta manhã). Dessa forma, além da mistura das línguas, há a adaptação do verbo park para parquear. O Chinglish, por sua vez, é a língua inglesa com influências da chinesa, e pode ser encontrado em diversos lugares como Macau ou Hong Kong. O Chinglish é normalmente associado a uma variedade de língua meio sem sentido e agramatical, e em muitos casos é até um termo pejorativo pelo fato de a junção das línguas produzir textos hilários e incompreensíveis, ou errados do ponto de vista do inglês considerado padrão. Porém esse efeito se deve às grandes diferenças entre as línguas, não só com relação às estruturas, mas também às questões culturais, o que dificulta a tradução. Na internet há inúmeros exemplos de placas públicas engraçadas na China. Apenas para ilustrar, em uma delas colocada em uma escada estava escrito em chinês "Cuidado para não escorregar e cair" e a tradução em inglês era "Slip and fall carefully" (Escorregue e caia cuidadosamente). Bem problemático!
E neste nosso giro sobre diferentes formas de comunicação, precisamos incluir a LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais, uma língua visual-espacial utilizada pelos surdos e também entre ouvintes e surdos. Ela é composta por combinações de sinais feitos com as mãos, movimentos, pontos de articulação no espaço e no corpo, e expressões faciais e corporais que dão conta de tudo aquilo que acontece na fala oral-auditiva. Mas quem acha que só decorar os sinais é suficiente para se comunicar em LIBRAS está muito enganado! Para uma comunicação eficaz, é preciso conhecer como essa língua funciona com relação, por exemplo, a aspectos relativos ao significado (semântica) e à ordem das palavras (sintaxe).
Resta-nos mencionar dois termos muito difundidos na atualidade, principalmente devido ao papel da língua inglesa na globalização, que são língua franca e língua internacional ou global. Muitas pessoas estabelecem diferenças entre esses termos, enquanto outras os consideram sinônimos. Aqui vou usá-los como sinônimos porque me refiro ao uso do inglês por pessoas de diferentes nacionalidades para intermediar as relações econômicas, políticas, acadêmicas, etc. Nesse sentido, o inglês como língua franca ou internacional facilita a comunicação e a mobilidade das pessoas de diferentes nações, permite que transações comerciais e acordos sejam realizados de forma direta, viabiliza acesso a conhecimentos científicos produzidos em outros países e, muitas vezes, possibilita ascensão socioeconômica das pessoas!
Utilizar uma língua comum, que não pertence a nenhum dos lados envolvidos, é algo extremamente confortável, já que coloca ambas as partes em pé de igualdade no que se refere à comunicação. Por outro lado, exige também mais esforços para que haja boa compreensão e que os objetivos das partes sejam atingidos eficazmente!
Independentemente de ser língua estrangeira, adicional, de contato ou qualquer outra, uma coisa é certa: aprender uma língua vai muito além de aprender listas de vocabulário ou o que as pessoas que moram em um determinado país comem no café da manhã. Toda língua constitui nossa identidade, carrega cultura, visão de mundo, costumes, marcas históricas, políticas e sociais, e nos permite o acesso a outras culturas por meio do cinema, da literatura, das artes, do folclore, da música, ou da simples conversa com um vendedor na rua. Além disso, conhecer outra(s) língua(s) pressupõe estar aberto a outras formas de pensar, para a diversidade, para o diferente – exigência de ausência de preconceito ao reconhecer que não existe o certo ou errado, mas sim, simplesmente, o diferente daquilo que eu estou acostumada. Isso porque as línguas que falamos nos constituem e nos moldam, formando nossos pensamentos, opiniões e maneiras de ver tudo ao nosso redor. Nesse sentido, não é exagero dizer que as línguas são a base para o desenvolvimento de todo tipo de conhecimento.
Bem-vindo ao fascinante mundo das línguas, que certamente vai muito além das "estrangeiras"!
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