A importância de ser "letrado" em avaliação
- gladysquevedo3
- 27 de mai. de 2024
- 4 min de leitura

O termo 'letramento em avaliação', cunhado por R.J. Stiggins no início da década de 1990, refere-se ao conhecimento de como e o que estamos avaliando, a melhor forma de avaliar aspectos específicos do processo de ensino-aprendizagem, como gerar dados confiáveis sobre o desempenho de nossos alunos, quais problemas esperar e, finalmente, o que fazer para evitá-los (Coombe et al., 2012). O letramento em avaliação está diretamente ligado à formação de professores (de línguas) devido à sua estreita conexão com a competência e o desempenho profissionais. Como consequência, vários problemas podem surgir quando esse letramento é pouco desenvolvido. O primeiro que poderíamos mencionar é que os professores não incentivarão seus alunos a agir criticamente em relação ao feedback dos professores. Isso é muito importante, pois é papel dos professores mostrar aos alunos que solicitar, refletir sobre e trabalhar a partir do feedback fornecido são ações essenciais para o desenvolvimento do conhecimento e do desempenho na educação linguística deles. O segundo problema é que, por não saberem muito sobre avaliação, os professores não preparam os alunos para lidar com ela e agir de acordo com seus interesses quando seu desempenho está sendo avaliado. Em outras palavras, os alunos não são ensinados que a avaliação importa muito mais do que as notas que recebem.
O terceiro problema é os professores não estarem abertos a críticas em relação à forma como avaliam. Como não estão cientes do panorama geral, ou seja, do papel da avaliação no progresso dos alunos e no próprio desenvolvimento profissional, os professores recebem cada comentário, sugestão ou reclamação como um insulto ou ataque e se fecham para isso, perdendo assim a oportunidade de refletir sobre suas práticas de avaliação. Outro problema refere-se aos professores (e autoridades escolares em geral) não orientarem os alunos (e seus pais, se for o caso) quanto a como interpretar as notas atribuídas pelos professores. Ao entenderem o que as notas significam em termos de desenvolvimento da aprendizagem de línguas, os alunos podem se concentrar em seus pontos fortes e trabalhar mais intensamente em suas fraquezas. Assim, a transparência em termos do significado das notas está diretamente ligada à avaliação formativa. O quinto e último problema que vale mencionar é que, ao não dar à avaliação sua devida importância, nem a escola nem a comunidade em geral entendem o que é uma avaliação de qualidade e não sabem como identificar avaliações problemáticas. Portanto, não há demanda pública por práticas de avaliação melhores e os benefícios potenciais são completamente perdidos.
Diante da pouca falta de informação sobre avaliação, Stiggins (1991) apresenta uma proposta dividida em três ações. A primeira é compreender o conceito de letramento em avaliação. Isso significa desenvolver conhecimento sobre a ampla gama de objetivos em termos de desempenho dos alunos, resultados de aprendizagem e métodos de avaliação disponíveis para apoiar um processo de ensino-aprendizagem eficiente. A segunda ação proposta por Stiggins (1991) é distinguir níveis de letramento em avaliação. Isso implica desenvolvê-lo e aprimorá-lo de acordo com as necessidades de diferentes grupos sociais. Tais grupos seriam divididos em três: (1) o grupo que necessita de letramento funcional, ou seja, pessoas que utilizam dados produzidos por outras pessoas e precisam interpretar e usar tais dados para tomar decisões; (2) o grupo que necessita de letramento prática, ou seja, pessoas que produzem e usam dados; e (3) o grupo que necessita de letramento avançado, ou seja, elaboradores de exames de alta relevância e aqueles que trabalham com avaliação educacional. A terceira ação que Stiggins (1991) propõe é desenvolver programas de letramento em avaliação, que envolveriam cursos e treinamentos para usuários e partes interessadas (professores em formação e em serviço, formadores de professores, elaboradores de materiais, autoridades educacionais, entre outros).
As três ações de Stiggins são altamente importantes e nos fazem perceber que não precisamos saber tudo sobre avaliação, mas precisamos dominar o conhecimento sobre avaliação que é esperado do papel que desempenhamos. Então, por exemplo, se eu sou diretor(a) de uma escola e recebo os resultados de um exame nacional de minha instituição, preciso ter letramento funcional para entender o que esses resultados significam a fim de decidir sobre mudanças e melhorias na escola. Se eu sou professor de línguas, preciso ter letramento prático para planejar como coletar informações sobre o progresso de aprendizagem dos meus alunos e como fazer bom uso dessas informações tanto em termos de feedback quanto de responsabilidade perante a instituição em que trabalho. Finalmente, se estou envolvido com exames de alta relevância ou sou responsável por uma avaliação educacional, preciso de um letramento em avaliação mais avançado, que pode envolver conhecimento estatístico, por exemplo.
Independentemente do nosso papel na cadeia educacional (de línguas), estar ciente do que a avaliação implica e como pode ser usada para o benefício de todos os interessados é fundamental se desejamos construir uma comunidade com boas práticas de avaliação (Scaramucci, 2016), consciente do poder que a avaliação carrega como prática social bem como do seu impacto social no contexto em que atuamos.
References:
COOMBE, C.; TROUDI, S.; AL-HAMLY, M. Foreign and second language teacher assessment literacy: issues, challenges, and recommendations. In: COOMBE, C.; DAVIDSON, P.; O'SULLIVAN, B.; STOYNOFF, S. (Eds.) The Cambridge guide to second language assessment. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. p. 20-29.
SCARAMUCCI, M. V. R. Letramento em avaliação (em contexto de línguas): contribuições para a linguística aplicada, educação e sociedade. In: JORDÃO, C. M. (Org.) A Linguística Aplicada no Brasil: Rumos e Passagens. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p.141-165.
STIGGINS, R. J. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v. 72, n. 7, p. 534-539, 1991.
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